domingo, 8 de maio de 2011

O silêncio é d'ouro

O silêncio é d'ouro. É bom ouvir o silêncio. Estar nele. Fechar os olhos e não haver ruídos, a não ser os da mente. E tantas coisas fazem ruído na mente que é preciso haver silêncio à volta para as ouvir. Emília quer ouvir. E também é bom ouvir as palavras, uma de cada vez, sonoras, pausadas, sorridentes. Elas aguardam que o silêncio chegue e aí vão elas, direitinhas numa frase que estava mesmo ansiosa de tanto esperar. A brisa que vem da montanha cheira bem. A frase fica por dizer. Emília nunca foi dona das palavras; elas sempre lhe saíram da boca sem ela as comandar. Saíam, simplesmente, atabalhoadas, aos tropeções, na vontade de tudo queer dizer ao mesmo tempo. Raramente os outros entediam o que Emília queria dizer, o que a irritava e fazia falar ainda mais depressa, levando as palavras a jorrar em catadupa, numa explosão babélica imperceptível. O único ser que percebia aquele dialecto de Emília era o João Boaventura, o pastor. Habituado à solidão e ao silêncio, quando Emília falava, naquela torrencial chuva de palavras indisciplinadas, ele ouvia com uma atenção quase hipnótica e conseguia até sorrir, revelando um entendimento perfeito daquele palavreado.

6 comentários:

  1. Às vezes o silêncio também é muito barulhento.
    Às vezes as palavras parecem presas cá dentro e não há o que nem quem as consiga soltar.
    Mas agora é fácil dizer: gosto deste teu texto!

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  2. Era uma vez um rapaz. Aparentava ser mais novo do que era dada a sua altura e estrutura franzina. Gostava de conversar, escrever poesia e ver o mar em dias de chuva e vento. As ondas inquietas, correndo dum lado ao outro do areal, arrepiadas pelo vento frio que não cessava de as fustigar. Ria como um pardal e os seus olhos de canela eram meigos e ternos, ou seriam atrevidos e ousados?...Há dias pensei nele. Cresceu, fez-se homem, mas julgo que ainda conservava o riso e o gosto por amores platónicos e filmes franceses. Daqui aos cento e dois, é um tirinho...Long and happy life to him, to you.

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  3. Há palavras presas, subjugadas a pensamentos ou ideias que não as deixam correr, saltar, mover, dançar, pular, esbracejar, espernear. O segredo é nunca parar.

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  4. Linha 9 do 1º texto:onde se lê "queer", deve ler-se "querer"; onde se lê "entediam", deve ler-se "entendiam". Desculpem, mas o avançado da hora...

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  5. Só agora pude vir e gostei bastante. espero que o blog continue.
    Ricardo

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  6. Enquanto houver palavras e não for preciso comprá-las, podemos sempre pensar, falar e escrever. Em monólogo, em diálogo, para fora, para dentro, tudo é pretexto para usar as palavras. Palavras bonitas, meigas, escorregadias, apetitosas, mastigáveis, fáceis de engolir, enjoativas, excessivas, coloridas, irritantes, agressivas, violentas, corajosas, peneirentas,empertigadas, poirentas, mofentas, atrevidas, extraordinárias, fenomenais, excêntricas, impulsivas, tristes, zangadas, reles, más, odiosas, encrespadas, fugidias, naturais...Ufa! Cansei. Falei demais.

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