domingo, 8 de maio de 2011

O silêncio é d'ouro

O silêncio é d'ouro. É bom ouvir o silêncio. Estar nele. Fechar os olhos e não haver ruídos, a não ser os da mente. E tantas coisas fazem ruído na mente que é preciso haver silêncio à volta para as ouvir. Emília quer ouvir. E também é bom ouvir as palavras, uma de cada vez, sonoras, pausadas, sorridentes. Elas aguardam que o silêncio chegue e aí vão elas, direitinhas numa frase que estava mesmo ansiosa de tanto esperar. A brisa que vem da montanha cheira bem. A frase fica por dizer. Emília nunca foi dona das palavras; elas sempre lhe saíram da boca sem ela as comandar. Saíam, simplesmente, atabalhoadas, aos tropeções, na vontade de tudo queer dizer ao mesmo tempo. Raramente os outros entediam o que Emília queria dizer, o que a irritava e fazia falar ainda mais depressa, levando as palavras a jorrar em catadupa, numa explosão babélica imperceptível. O único ser que percebia aquele dialecto de Emília era o João Boaventura, o pastor. Habituado à solidão e ao silêncio, quando Emília falava, naquela torrencial chuva de palavras indisciplinadas, ele ouvia com uma atenção quase hipnótica e conseguia até sorrir, revelando um entendimento perfeito daquele palavreado.